segunda-feira, 13 de agosto de 2012

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O ritual é quase sempre o mesmo, trata-se de rotina e de bocejos que podem levar ao silêncio definitivo. A solução será sempre a de saciar a alma com alguma idiotice elevada a salvação do próprio universo, preenchendo-o com uma vontade renovada de viver.

A cada passo que Maria dá depara-se com uma imensidão de projectos por cumprir, filosofias baratas com lucros chorudos e uma dessincronizada nascença de seres que crescerão a pensar num qualquer Apocalipse. 

Ela nem se dá conta do simples que seria clarificar atitudes erradicando os dejectos que permitem a sustentabilidade dos demónios, outrora meros humanos de básica concepção, vida regrada e frustração constante apesar de obliterada da força de vontade para a erradicar.

O passeio quase sempre tem o cheiro a merda de cão e a outro tipo de detritos que sempre incomodam mas ninguém corre a limpar. Ainda assim sente-se confortável no seu corpo, forte objecto do desejo que quer normalizar.

Maria não partilha da ideia de ser a puta do Estado, o qual lhe cobra os mais variados tipos de impostos quer queira ou não e ela de sorrisinho limpo a trabalhar para não ter direito a nada quando reformar o corpo. Ainda tem no sangue a vontade de lutar contra o óbvio e foder apenas porque tem vontade para isso, sem que um cinzento cidadão venha cobrar-lhe qualquer taxa de emissão de fluídos corporais motivados por excessiva actividade sexual, taxa essa agravada em caso de orgasmo e excessiva libertação de energia sem que a mesma possa ser aproveitada para fins comerciais. Não, ainda tem essa capacidade pouco estimulada de gozar com quem a tenta comer a sangue frio e abre as pernas para quem lhe apetece, não para quem quer.

Segue caminho rumo à rotunda onde vive uma velha desgastada pela falta de discernimento dos que a rodeiam. Como quase sempre, olha para a varanda esperando ouvir uns quantos impropérios contra o filho da puta do marido que lhe bateu a vida toda. Talvez a loucura devesse pagar imposto, extensivo aos descendentes. Gostava que aparecesse um vampiro que lhe sugasse o sangue até à última gota com o intuito de se tornar como tantos outros, obcecados com as ninharias que povoam as suas vidas, porém, apenas se depara com uma horda de carros recheados de pescoços na mesma condição, à espera do rei vampiro para serem felizes no mar de merda que circunda as suas vidas. Ajeita o cabelo e sorri para um mendigo a quem dá uma nota cor-de-rosa. Houvesse a necessidade premente de todos começarem de novo e as crises apenas seriam um mero pedaço de cristal prestes a ser quebrado.

Maria vive num Outono pesado, com vistas para o Inverno carregado de nuvens negras em que apenas o mar revolto e misterioso pode indiciar sinais de uma vida que nunca parece presente para transmitir felicidade sem ser pela via do consumismo desenfreado.

A culpa é algo que a afligiu num passado recente, bem como os orgasmos fingidos para não traumatizar os artistas talentosos com quem trocou fluídos corporais. Agora, apenas se preocupa com o combóio que chegará daqui a uns minutos. Nem o facto de ser cobiçada por masturbadores profissionais a desvia desse propósito, que a levará nem Deus sabe onde. Caminha decidida, enquanto o Serafim dorme despreocupado, numa casa plena de segredos ímpios.

Oxalá Jesus fosse vivo e as montanhas tivessem o elixir da felicidade na descida íngreme rumo a qualquer coisa diferente.

Num sonho distante afiguram-se-lhe corpos mutilados pela pressa de não chegar tarde, as entranhas já se revolveram na distância de memórias pensadas, como se fosse possível planificar o onírico. Apenas deseja chegar ao destino sem percalços, porém algo lhe di que nunca mais será assim. Ainda bem, pensa.

O combóio pára, os autómatos de sempre acotovelam-se para entrar mesmo antes dos autómatos que querem sair. Saem palavrões automatizados, lamúrias de um egoísmo automatizado que nem sentem, apenas despejam em cima das suas cruzes apodrecidas pela ausência de vontade.

Lá no topo do mundo, onde quem manda tudo muda, já está decidido um rumo eterno de sacrifícios aos que aguentem, a morte aos que não consigam.

Maria entra, mais tranquila que nunca e senta-se, fechando os olhos ao Apocalipse intelectual que a envolve. Na verdade apetece-lhe foder, perder a vergonha automatizada e saltar para cima de um daqueles gajos que sempre a fazem suspirar mas que quase sempre parecem uns paneleiros de merda perante a vida. Sempre sente um calor inusitado entre as pernas. Suspira e volta a abrir os olhos para ver as mesmas pessoas de sempre, pela última vez, até encontrar outras pessoas que voltarão a ocupar o lugar destas.

Algumas estações depois levanta-se sob o olhar atento de algumas esposas ciumentas. Se pudesse aniquilava esse abjecto sentimento nomeado de ciúme, puro egoísmo, algo que a frustra perante alguma tentativa de se aproximar de alguém, propriedade de outrem, apesar de todos nascerem sem título de pertença. Para nada, o ciúme não serve para nada e por isso mesmo meneia-se um pouco mais que o costume. Roça o rabo propositadamente num gajo de fato e gravata, de mão dada com uma gaja feia e desproporcionada para a idade. Sente-lhe a picha dura e troca um olhar que procura não passar despercebido à mulher. Ele sorri e ela cora, envergonhada, por estar morta antes do tempo e não conseguir ser despudorada o suficiente para viver em paz consigo mesma. No final não se passará nada mais, Maria voltará ao estado de transe em que estava antes e o combóio seguirá com os seus autómatos, uns mais excitados e de cara vermelha por estaladas repentinas, outros cabisbaixos em mais um dia de vida vazia.

Por um qualquer motivo alheio à sua vontade decide levantar voo. Fecha os olhos e tenta o que só nos filmes se consegue fazer. Lembra-se de um outro sonho distante em que voava rasando as linhas telefónicas e as catenárias. Quase nunca conseguia aterrar, pelo medo da mutilação, nada a fazia arriscar uma vida sem braços ou pernas.

Reabre os olhos e os pés continuam assentes no chão, literalmente. Nem sombras da estação, apenas um enorme campo a perder de vista e pessoas desvairadas para conseguir aceder a uma qualquer promoção caída do céu azul, sem  qualquer indicação de glória, apenas humilhação para as suas cabeças vazias de luta.
Que se fodam os outros, que me foda eu próprio, mas esta parte apenas Maria a contempla, enquanto s e soltam os orgasmos por nada, nem sexo, nem o prazer de apenas ver. Apenas a ganância por uns iogurtes, bolachas ou vinho das beiras do Apocalipse. Nem se trata de vendidos, é apenas mais uma forma de controlar o ódio contra quem manda fazendo-os virar-se uns contra os outros. Corre até não poder mais. Sem qualquer tipo de indicação ou motivo dispara uma arma que lhe apareceu de repente nas mãos. Pára, vira a cabeça e vê um homem a esvair-se em sangue, sorrindo. Estranha a loucura daquele sorriso, como se a vida recomeçasse a partir daquele instante, ou, simplesmente se desligasse da descida infernal dos autómatos cabisbaixos.

A contemplação dura poucos segundos. Tem que fugir, isso implica voltar a correr, cada vez mais depressa, avistando o inferno em cada esquina, alguém prestes a ameaçar o gato Serafim caso ela não se entregue. Quando pára dá-se conta que o burburinho causado pelo seu acto, não se dirige para ela. Um polícia apenas diz que tem de sair dali, que alguém importante vai passar. Sorri, gostava de se beijar a ela própria, acariciar-se com ela mesma, atingindo orgasmos impossíveis de atingir com qualquer outro ser humano. 

Uma assassina? Quem diria que a vida lhe iria reservar momentos de felicidade advindos de um acto pérfido?

A vergonha passou, ficou uma sensação de impunidade, tão do agrado de quem manda, que a levará ao mais sujo dos infernos.

Apanha um táxi, pede ao motorista para a levar para bem longe dali. Sente uma excitação que a descontrola por completo. Pede ao homem para parar, salta para a frente e começa a masturbá-lo. É um homem pequeno, barriga proeminente e ar infeliz. Chupa-lhe a picha e ele recita um qualquer salmo do Livro do Apocalipse. Vão subindo de tom os gritos dela quando lhe salta para cima, fazendo desaparecer o sexo dele dentro da sua rata a arder. Ele bate-lhe nas nádegas, chama-lhe nomes feios e ela ri-se, enquanto canta que o amor já não vive neste mundo. Prega-lhe umas quantas estaladas na cara feia e gorda. Salta e volta a saltar como se cavalgasse rumo ao céu dos orgasmos, sentindo o líquido quente que sai de dentro dele espalhar-se pela vagina, até chegar a ele.

No final sai do táxi e dispara na picha do taxista, rindo-se desbragadamente enquanto ele uiva de dor. ‘Tranquilo meu grande filho da puta, morrerás em breve e a dor acabará’. Sem que se tenha sujado segue caminho rumo à sua perdição pessoal e procura pelo Hospital onde pensa estar o homem que lhe mudou a vida. Enquanto isso entra numa perfumaria, onde um gajo se insinua, apreciando-lhe o formoso corpo com palavras vulgares e roupas ainda mais foleiras. Conseguido o objectivo da atenção do cão esfomeado, atira-se à carteira para que lhe compre o seu perfume preferido. ‘Dune’, como o filme maldito de David Lynch. Depois pensa melhor e incentiva-o a roubar, com o motivo da sua própria excitação e de como ele poderá desfrutar dos seus recantos ardentes. Como um perfeito cachorrinho de pila alçada acede. Torna-se o terceiro assassínio nas contas dela…

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