O ritual é quase sempre o mesmo,
trata-se de rotina e de bocejos que podem levar ao silêncio definitivo. A
solução será sempre a de saciar a alma com alguma idiotice elevada a salvação
do próprio universo, preenchendo-o com uma vontade renovada de viver.
A cada passo que Maria dá
depara-se com uma imensidão de projectos por cumprir, filosofias baratas com
lucros chorudos e uma dessincronizada nascença de seres que crescerão a pensar
num qualquer Apocalipse.
Ela nem se dá conta do simples que seria clarificar
atitudes erradicando os dejectos que permitem a sustentabilidade dos demónios,
outrora meros humanos de básica concepção, vida regrada e frustração constante
apesar de obliterada da força de vontade para a erradicar.
O passeio quase sempre tem o
cheiro a merda de cão e a outro tipo de detritos que sempre incomodam mas ninguém
corre a limpar. Ainda assim sente-se confortável no seu corpo, forte objecto do
desejo que quer normalizar.
Maria não partilha da ideia de
ser a puta do Estado, o qual lhe cobra os mais variados tipos de impostos quer
queira ou não e ela de sorrisinho limpo a trabalhar para não ter direito a nada
quando reformar o corpo. Ainda tem no sangue a vontade de lutar contra o óbvio
e foder apenas porque tem vontade para isso, sem que um cinzento cidadão venha
cobrar-lhe qualquer taxa de emissão de fluídos corporais motivados por
excessiva actividade sexual, taxa essa agravada em caso de orgasmo e excessiva
libertação de energia sem que a mesma possa ser aproveitada para fins
comerciais. Não, ainda tem essa capacidade pouco estimulada de gozar com quem a
tenta comer a sangue frio e abre as pernas para quem lhe apetece, não para quem
quer.
Segue caminho rumo à rotunda onde
vive uma velha desgastada pela falta de discernimento dos que a rodeiam. Como
quase sempre, olha para a varanda esperando ouvir uns quantos impropérios
contra o filho da puta do marido que lhe bateu a vida toda. Talvez a loucura
devesse pagar imposto, extensivo aos descendentes. Gostava que aparecesse um
vampiro que lhe sugasse o sangue até à última gota com o intuito de se tornar
como tantos outros, obcecados com as ninharias que povoam as suas vidas, porém,
apenas se depara com uma horda de carros recheados de pescoços na mesma
condição, à espera do rei vampiro para serem felizes no mar de merda que
circunda as suas vidas. Ajeita o cabelo e sorri para um mendigo a quem dá uma
nota cor-de-rosa. Houvesse a necessidade premente de todos começarem de novo e
as crises apenas seriam um mero pedaço de cristal prestes a ser quebrado.
Maria vive num Outono pesado, com
vistas para o Inverno carregado de nuvens negras em que apenas o mar revolto e
misterioso pode indiciar sinais de uma vida que nunca parece presente para
transmitir felicidade sem ser pela via do consumismo desenfreado.
A culpa é algo que a afligiu num
passado recente, bem como os orgasmos fingidos para não traumatizar os artistas
talentosos com quem trocou fluídos corporais. Agora, apenas se preocupa com o
combóio que chegará daqui a uns minutos. Nem o facto de ser cobiçada por
masturbadores profissionais a desvia desse propósito, que a levará nem Deus
sabe onde. Caminha decidida, enquanto o Serafim dorme despreocupado, numa casa
plena de segredos ímpios.
Oxalá Jesus fosse vivo e as
montanhas tivessem o elixir da felicidade na descida íngreme rumo a qualquer
coisa diferente.
Num sonho distante
afiguram-se-lhe corpos mutilados pela pressa de não chegar tarde, as entranhas
já se revolveram na distância de memórias pensadas, como se fosse possível
planificar o onírico. Apenas deseja chegar ao destino sem percalços, porém algo
lhe di que nunca mais será assim. Ainda bem, pensa.
O combóio pára, os autómatos de
sempre acotovelam-se para entrar mesmo antes dos autómatos que querem sair.
Saem palavrões automatizados, lamúrias de um egoísmo automatizado que nem
sentem, apenas despejam em cima das suas cruzes apodrecidas pela ausência de
vontade.
Lá no topo do mundo, onde quem
manda tudo muda, já está decidido um rumo eterno de sacrifícios aos que
aguentem, a morte aos que não consigam.
Maria entra, mais tranquila que
nunca e senta-se, fechando os olhos ao Apocalipse intelectual que a envolve. Na
verdade apetece-lhe foder, perder a vergonha automatizada e saltar para cima de
um daqueles gajos que sempre a fazem suspirar mas que quase sempre parecem uns
paneleiros de merda perante a vida. Sempre sente um calor inusitado entre as
pernas. Suspira e volta a abrir os olhos para ver as mesmas pessoas de sempre,
pela última vez, até encontrar outras pessoas que voltarão a ocupar o lugar
destas.
Algumas estações depois
levanta-se sob o olhar atento de algumas esposas ciumentas. Se pudesse
aniquilava esse abjecto sentimento nomeado de ciúme, puro egoísmo, algo que a
frustra perante alguma tentativa de se aproximar de alguém, propriedade de
outrem, apesar de todos nascerem sem título de pertença. Para nada, o ciúme não
serve para nada e por isso mesmo meneia-se um pouco mais que o costume. Roça o
rabo propositadamente num gajo de fato e gravata, de mão dada com uma gaja feia
e desproporcionada para a idade. Sente-lhe a picha dura e troca um olhar que
procura não passar despercebido à mulher. Ele sorri e ela cora, envergonhada,
por estar morta antes do tempo e não conseguir ser despudorada o suficiente
para viver em paz consigo mesma. No final não se passará nada mais, Maria
voltará ao estado de transe em que estava antes e o combóio seguirá com os seus
autómatos, uns mais excitados e de cara vermelha por estaladas repentinas,
outros cabisbaixos em mais um dia de vida vazia.
Por um qualquer motivo alheio à
sua vontade decide levantar voo. Fecha os olhos e tenta o que só nos filmes se
consegue fazer. Lembra-se de um outro sonho distante em que voava rasando as
linhas telefónicas e as catenárias. Quase nunca conseguia aterrar, pelo medo da
mutilação, nada a fazia arriscar uma vida sem braços ou pernas.
Reabre os olhos e os pés
continuam assentes no chão, literalmente. Nem sombras da estação, apenas um
enorme campo a perder de vista e pessoas desvairadas para conseguir aceder a
uma qualquer promoção caída do céu azul, sem
qualquer indicação de glória, apenas humilhação para as suas cabeças
vazias de luta.
Que se fodam os outros, que me
foda eu próprio, mas esta parte apenas Maria a contempla, enquanto s e soltam
os orgasmos por nada, nem sexo, nem o prazer de apenas ver. Apenas a ganância
por uns iogurtes, bolachas ou vinho das beiras do Apocalipse. Nem se trata de
vendidos, é apenas mais uma forma de controlar o ódio contra quem manda
fazendo-os virar-se uns contra os outros. Corre até não poder mais. Sem
qualquer tipo de indicação ou motivo dispara uma arma que lhe apareceu de
repente nas mãos. Pára, vira a cabeça e vê um homem a esvair-se em sangue,
sorrindo. Estranha a loucura daquele sorriso, como se a vida recomeçasse a
partir daquele instante, ou, simplesmente se desligasse da descida infernal dos
autómatos cabisbaixos.
A contemplação dura poucos
segundos. Tem que fugir, isso implica voltar a correr, cada vez mais depressa,
avistando o inferno em cada esquina, alguém prestes a ameaçar o gato Serafim
caso ela não se entregue. Quando pára dá-se conta que o burburinho causado pelo
seu acto, não se dirige para ela. Um polícia apenas diz que tem de sair dali,
que alguém importante vai passar. Sorri, gostava de se beijar a ela própria,
acariciar-se com ela mesma, atingindo orgasmos impossíveis de atingir com
qualquer outro ser humano.
Uma assassina? Quem diria que a vida lhe iria
reservar momentos de felicidade advindos de um acto pérfido?
A vergonha passou, ficou uma
sensação de impunidade, tão do agrado de quem manda, que a levará ao mais sujo
dos infernos.
Apanha um táxi, pede ao motorista
para a levar para bem longe dali. Sente uma excitação que a descontrola por
completo. Pede ao homem para parar, salta para a frente e começa a masturbá-lo.
É um homem pequeno, barriga proeminente e ar infeliz. Chupa-lhe a picha e ele
recita um qualquer salmo do Livro do Apocalipse. Vão subindo de tom os gritos
dela quando lhe salta para cima, fazendo desaparecer o sexo dele dentro da sua
rata a arder. Ele bate-lhe nas nádegas, chama-lhe nomes feios e ela ri-se,
enquanto canta que o amor já não vive neste mundo. Prega-lhe umas quantas
estaladas na cara feia e gorda. Salta e volta a saltar como se cavalgasse rumo
ao céu dos orgasmos, sentindo o líquido quente que sai de dentro dele
espalhar-se pela vagina, até chegar a ele.
No final sai do táxi e dispara na
picha do taxista, rindo-se desbragadamente enquanto ele uiva de dor. ‘Tranquilo
meu grande filho da puta, morrerás em breve e a dor acabará’. Sem que se tenha
sujado segue caminho rumo à sua perdição pessoal e procura pelo Hospital onde
pensa estar o homem que lhe mudou a vida. Enquanto isso entra numa perfumaria,
onde um gajo se insinua, apreciando-lhe o formoso corpo com palavras vulgares e
roupas ainda mais foleiras. Conseguido o objectivo da atenção do cão esfomeado,
atira-se à carteira para que lhe compre o seu perfume preferido. ‘Dune’, como o
filme maldito de David Lynch. Depois pensa melhor e incentiva-o a roubar, com o
motivo da sua própria excitação e de como ele poderá desfrutar dos seus
recantos ardentes. Como um perfeito cachorrinho de pila alçada acede. Torna-se
o terceiro assassínio nas contas dela…
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